Dom Murilo S.R. Krieger, scj – Arcebispo de Florianópolis
Ordenação Presbiteral de Leandro José Rech e Sílvio José Kremer
Biguaçu, 05.06.10
Leituras do 10º Dom. TC – Ano C: 1Re 17,17-24; Sl 29; Gl 1,11-19; Lc 7,11-17
1. Esta celebração de ordenação presbiteral realiza-se num contexto especial: caminhamos para o final do Ano Sacerdotal, feliz iniciativa do Papa Bento XVI, aproveitando a ocasião dos 150 anos da morte João Maria Vianney, o Santo Cura d´Ars, modelo de presbítero e de amor a Jesus Cristo. Quis nosso clero que o encerramento oficial deste ano aqui na Arquidiocese de Florianópolis acontecesse nesta celebração. Unidos em torno do Altar, participando da ordenação presbiteral de dois irmãos que enriquecerão nosso presbitério, queremos dizer ao SENHOR que lhe somos gratos pelo chamado que fez a cada um de nós para esse ministério. Assumimos como nosso o testemunho que o apóstolo Paulo deu aos gálatas: “...aquele que me separou desde o ventre materno e me chamou por sua graça se dignou revelar-me o seu Filho, para que eu o pregasse entre os pagãos...” (Gl 1,15). Sim, o Pai nos revelou o rosto amoroso de Seu Filho, para que o apresentemos a todos.
2. A ordenação presbiteral dos diáconos Leandro e Sílvio me dá a oportunidade de refletir sobre o meu próprio ministério; é uma oportunidade, também, para cada um dos sacerdotes aqui presentes se perguntar: O que, realmente, o SENHOR espera de mim? Essa pergunta é tanto mais oportuna por vivemos numa época em que, se é difícil ser cristão, mais difícil é ser sacerdote. Com uma atualidade impressionante, lemos a observação feita, cinquenta anos atrás, pelo então Papa João XXIII, na carta que escreveu sobre o centenário de falecimento do Cura d´Ars: “Por certo, a condição do padre é muitas vezes difícil. Não é para admirar que seja o primeiro alvo visado pelos inimigos da Igreja porque, dizia o cura d´Ars, quando se quer destruir a religião começa-se por atacar o padre” (n. 63).
3. Poderia começar reconhecendo que parte das críticas que são feitas aos sacerdotes em geral têm como causa a infidelidade ou a fraqueza de alguns. Poderia, também, tomar o caminho da viúva de Sarepta e procurar culpados para essa situação; contudo, certamente cairia, como ela, em pseudo soluções para o problema. No caso daquela viúva, o que realmente resolveu foi ter o filho vivo em suas mãos; pôde, então, proclamar a ação de Deus em seu servo Elias. No caso da outra viúva, a de Naim, também não interessava a discussão sobre as causas da morte do filho. O que tocou mesmo seu coração foi ouvir do próprio Jesus as palavras que fizeram renascer a esperança: “Não chore!” Realmente, não precisava mais ficar triste, pois o Filho de Deus colocava em suas mãos maternas o filho que ela perdera.
4. Em nosso caso, com a ajuda do Papa Bento XVI, procurarei apresentar uma visão positiva e prospectiva do ministério ordenado, detendo-me em suas três funções de ensinar, santificar e governar. Essas reflexões foram feitas recentemente pelo nosso Papa, em três momentos diferentes (14.04.10: ensinar; 05.05.10: santificar; e 26.05.10: governar), tendo em vista as semanas finais do Ano Sacerdotal.
5. Antes de fazer referências às três funções sacerdotais, é importante lembrar que “o sacerdote representa Cristo”. Representar, aqui, não significa que Cristo esteja ausente. “Na igreja, Cristo nunca está ausente”. Portanto, o sacerdote “não age nunca em nome de um ausente, mas na própria pessoa de Cristo Ressuscitado, que se faz presente com sua ação realmente eficaz”. O sacerdote não poderia consagrar o pão e o vinho, “para que sejam realmente presença do Senhor”. Também não poderia absolver os pecados. “O Senhor faz presente sua própria ação na pessoa que realiza esses gestos”. Portanto, as três ações sacerdotais – ensinar, santificar e governar – são, “na verdade, as três ações de Cristo ressuscitado”. É Cristo, pois, que hoje, no mundo, continua ensinando, criando a fé e reunindo o seu povo.
6. A primeira função sacerdotal é a de ensinar. Vivemos em uma grande confusão sobre as escolhas fundamentais de nossa vida. Muitos se perguntam: o que é o mundo? De onde vem? Para onde vamos? O que precisamos fazer para realizar o bem? Como temos que viver? Como há muitas filosofias opostas dando respostas para essas perguntas, as pessoas ficam confusas. Para o sacerdote, ensinar significará, pois, fazer presente a luz da Palavra de Deus, a luz que é o próprio Cristo. “Portanto, o sacerdote não ensina ideias próprias, uma filosofia que ele mesmo inventou, encontrou ou da qual gosta; o sacerdote não fala a partir de si mesmo, não fala por si mesmo, talvez para criar admiradores ou um partido próprio; não diz coisas próprias... mas... ensina em nome de Cristo presente, propõe a verdade que é o próprio Cristo; propõe sua Palavra, seu modo de viver e ir adiante”. Aliás, o próprio Cristo “não se propõe a si mesmo, mas, como Filho, é a voz, a Palavra do Pai. (...) O sacerdote que anuncia a Palavra de Cristo, a fé da Igreja e não suas próprias idéias, deve dizer também: eu não vivo de mim e para mim, mas vivo com Cristo e de Cristo e, por isso, o que Cristo nos disse se converte na minha palavra, ainda que não seja minha”.
7. Feitas essas afirmações sobre a função de ensinar, lembro duas exigências para conseguirmos ser a voz do Bom Pastor: 1ª) “O ensinamento que o sacerdote está chamado a oferecer – as verdades da fé – deve ser interiorizado e vivido em um intenso caminho espiritual e pessoal, para que, assim, o sacerdote realmente entre em uma profunda e interior comunhão com o próprio Cristo”; 2ª) Em nossa missão de ensinar, há alguns pontos de referência que são imprescindíveis: a Sagrada Escritura, os escritos dos Padres e dos Doutores da Igreja, e o Catecismo da Igreja Católica.
8. A segunda função sacerdotal consiste em santificar. Somos chamados a santificar os homens e as mulheres mediante os sacramentos e o culto da Igreja. Mas, o que significará santificar? “Santo é a qualidade específica do ser de Deus, ou seja, absoluta verdade, bondade, amor e beleza – luz pura. Portanto, santificar uma pessoa significa colocá-la em contato com Deus, com este seu ser luz, verdade, amor puro. É óbvio que esse contato transforma a pessoa. Mas “nenhum homem, por si mesmo, a partir de sua própria força, pode pôr o outro em contato com Deus... É o próprio Cristo que santifica, ou seja, que nos atrai para a esfera de Deus”. Só Jesus de Nazaré, Senhor e Cristo, crucificado e ressuscitado, salva o mundo e o homem. “E onde se atualiza o mistério da morte e ressurreição de Cristo, que traz a salvação? Na ação de Cristo, mediante a Igreja, de modo particular no sacramento da Eucaristia, que torna presente a oferenda sacrifical e redentora do Filho de Deus; no sacramento da Reconciliação, em que da morte do pecado se volta à vida nova, e em todos os outros atos sacramentais de santificação.”
9. Feitas essas afirmações sobre a função de santificar, lembro duas exigências para conseguirmos transmitir a luz de Deus aos corações de nossos irmãos: 1ª) precisamos ter clareza quanto ao papel dos sacramentos. Neles, “não somos nós homens que realizamos algo, mas é Deus que vem antes ao nosso encontro com o seu agir, que nos olha e nos conduz para junto de si”; 2ª) somos convidados, à luz do exemplo do Cura d´Ars, a “voltar ao confessionário, como lugar onde celebrar o sacramento da Reconciliação, mas também como lugar onde “habitar” com mais frequência, para que o fiel possa encontrar misericórdia, sentir-se amado e compreendido por Deus e experimentar a presença da misericórdia divina ao lado da presença real da Eucaristia”.
10. A terceira função sacerdotal consiste em governar. Nossos contemporâneos olham com suspeita para o conceito de autoridade; acham, inclusive, que o ideal seria abandonar qualquer autoridade que não provenha exclusivamente do próprio grupo. Na verdade, quando uma autoridade não tem referência à Autoridade suprema que é Deus, acaba voltando-se contra o próprio ser humano. Na Igreja, quando se fala em autoridade, pensa-se numa responsabilidade assumida diante de Deus, do Criador. Uma autoridade assim tem “como única finalidade servir o verdadeiro bem das pessoas”; é uma autoridade a serviço das pessoas. Através dos pastores da Igreja, é Cristo que cuida de suas ovelhinhas: é Ele quem as guia, protege e corrige, porque as ama profundamente. Isso exigirá dos pastores uma profunda amizade com Cristo. “Por isso, na base do ministério pastoral está sempre o encontro pessoal e constante com o Senhor, o conhecimento profundo dele, o conformar a própria vontade com a vontade de Cristo”.
11. Feitas essas afirmações sobre a função de governar, lembro duas exigências para conseguirmos ser pastores como o Coração de Jesus: 1ª) fazer parte da hierarquia significa reconhecer a origem sagrada da autoridade – ou seja, “essa autoridade não provém do próprio homem, mas tem origem no sagrado”, em Deus; 2ª) o carreirismo, na Igreja, é incompatível com a missão sacerdotal. Só quem é servo de Cristo pode governar e guiar para Cristo e com Cristo.
12. Concluo minha homilia com uma palavra dirigida particularmente a vocês, ordenandos: saibam que “não há bem maior, nesta vida terrena, do que conduzir as pessoas para Deus, despertar a fé, elevar a pessoa da inércia e do desespero, dar a esperança de que Deus está próximo e guia a história pessoal e do mundo”. É com essa certeza que você, Diácono Leandro, deverá repetir cada dia: “Eis que venho, com prazer faço a vossa vontade” (Sl 39); e você, Diácono Sílvio, deverá se recordar diariamente: “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi” (Jo 15,16).
13. A Mãe de Jesus seja para vocês, e para cada um de nós, a intercessora, o modelo e a companheira de cada momento. Maria, Mãe dos sacerdotes, rogai por nós!
Nenhum comentário:
Postar um comentário